MITO E FILOSOFIA, PLATÃO E ARISTÓTELES.
O mito é a primeira explicação, produzida pela
humanidade, para justificar a existência dos fenómenos que rondavam o nosso
mundo. A principal característica desse tipo de explicação era o discurso
fabuloso, ilógico, sobrenatural, não racional. Geralmente, acreditava-se numa
pessoa mais experiente que tinha autoridade por ter testemunhado o fato que
está narrando ou por ter recebido a notícia de quem testemunhou os
acontecimentos narrados.
A Filosofia nasce da necessidade de explicar os fenómenos
de forma racional e lógica, saindo do mundo mágico e misterioso da mitologia.
Mas não podemos deixar de considerar que a mitologia provoca o surgimento do
pensamento filosófico. A filosofia, então, vai dando os seus primeiros passos
com os filósofos pré-socráticos e se paradigmática com Sócrates que acreditando
nas potencialidades da razão aponta o caminho para uma vida ética a partir do
controle dos instintos. O pensamento racional já estava instaurado na Grécia
antiga. Os pós-socráticos, em especial, Platão e Aristóteles, vão criar escolas
filosóficas com perspectivas bem diferenciadas demonstrando assim que a
principal característica da filosofia é a produção de ideias e o debate público
dessas indagações sobre a vida, a morte, o bem, o mal, o quente, o frio, o Ser
e o Devir, a existência e essência.
As principais
questões apresentadas por Platão na sua filosofia são: a preocupação com a política e os rumos do Estado, a ética, a estética, desconfia dos sentidos e
recusa a passagem da sensação ao conceito, não se interessa pelo estudo da natureza,
antecipa-se ao método de Descartes (1596- 1650) e acredita num mundo transcendente, onde
estão as ideias inatas (nascidas connosco) nas quais se concentra toda a realidade, a
razão aniquila e destrói as paixões. Sair da caverna é alcançar o mundo das ideias.
Aristóteles, mesmo sendo discípulo de Platão, não vai concordar com o seu pensamento apresentando um outro olhar sobre a filosofia que se caracteriza pela: vocação naturalista, observação do mundo físico/ concreto, onde os conceitos são tirados da experiência mediante a evidência, se interessa pelo estudo da natureza, o verdadeiro conhecimento vem da experiência, a razão governa e domina as paixões. “Nada está na mente que não tenha passado pelos sentidos”.
Aristóteles, mesmo sendo discípulo de Platão, não vai concordar com o seu pensamento apresentando um outro olhar sobre a filosofia que se caracteriza pela: vocação naturalista, observação do mundo físico/ concreto, onde os conceitos são tirados da experiência mediante a evidência, se interessa pelo estudo da natureza, o verdadeiro conhecimento vem da experiência, a razão governa e domina as paixões. “Nada está na mente que não tenha passado pelos sentidos”.
O MITO DE
DESCARTES
(1) A
Doutrina Oficial
Há uma doutrina acerca da natureza e lugar das mentes que tem tanta preponderância entre os especialistas e mesmo leigos, que merece ser descrita como a teoria oficial. Muitos filósofos, psicólogos e professores religiosos subscrevem, com reservas mínimas, as suas principais teses e, embora admitam que existem certas dificuldades teóricas nesta teoria, têm a tendência de pensar que estas podem ser superadas sem fazer sérias modificações na arquitectura da teoria. Irei defender aqui que os princípios centrais da doutrina estão errados e entram em conflito com tudo o que sabemos sobre as mentes, quando não estamos especulando acerca delas. A doutrina oficial, que vem principalmente de Descartes, é mais ou menos a seguinte. Com as duvidosas excepções dos idiotas e das crianças de colo, todo ser humano tem um corpo e uma mente. Alguns prefeririam dizer que todo ser humano é um corpo e uma mente. O seu corpo e a sua mente são geralmente reunidos, mas depois da morte do corpo sua mente poderia continuar a existir e a funcionar. Os corpos humanos estão no espaço e estão sujeitos às leis mecânicas que governam todos os outros corpos existentes no espaço. Os processos e estados corporais podem ser verificados por observadores externos. Assim, a vida corporal de um homem é um assunto tão público quanto as vidas de animais e répteis e até mesmo os cursos de árvores, cristais e planetas.
Mas as mentes
não estão no espaço e as suas operações não estão sujeitas a leis mecânicas. O funcionamento
[workings] de uma mente não é testemunhável por outros observadores; o
seu curso é privado. Só eu posso ter conhecimento directo dos estados e
processos de minha própria mente. Uma pessoa vive portanto através de duas
histórias colaterais, consistindo uma no que acontece no e ao seu corpo, a
outra no que acontece na e à sua mente. A primeira é pública, a segunda
privada. Os acontecimentos da primeira história fazem parte do mundo físico, os
da segunda são acontecimentos do mundo mental. Tem sido discutido se uma pessoa
monitora ou pode monitorar todos os episódios de sua vida privada, ou somente
alguns deles; mas, de acordo com a doutrina oficial, ele tem conhecimento directo
e indubitável de pelo menos alguns desses episódios. Pela consciência,
auto-consciência e introspecção, ele está informado de maneira directa e
autêntica dos atuais estados e operações de sua mente. Pode ter muitas ou
poucas dúvidas acerca dos episódios simultâneos e adjacentes no mundo físico,
mas não pode ter
nenhuma pelo menos quanto a parte do que está momentaneamente ocupando a sua mente.
É costume exprimir esta bifurcação de suas duas vidas, e de seus dois mundos, dizendo que as coisas e acontecimentos que pertencem ao mundo físico, incluindo seu próprio corpo, são externos, enquanto o funcionamento de sua própria mente é interno. Esta antítese de exterior e interior deve evidentemente ser interpretada como uma metáfora, dado que as mentes, não estando no espaço, não poderiam ser descritas como estando especialmente dentro de qualquer coisa, ou como se se passassem coisas especialmente dentro delas. Mas são comuns os deslizes desta boa intenção e encontramos teóricos especulando sobre o modo segundo o qual os estímulos, cujas fontes físicas se encontram a metros ou quilómetros de distância da pele da pessoa, podem dar origem a respostas mentais dentro de seu crânio, ou como decisões enquadradas no âmbito do seu crânio podem comandar movimentos das suas extremidades.
nenhuma pelo menos quanto a parte do que está momentaneamente ocupando a sua mente.
É costume exprimir esta bifurcação de suas duas vidas, e de seus dois mundos, dizendo que as coisas e acontecimentos que pertencem ao mundo físico, incluindo seu próprio corpo, são externos, enquanto o funcionamento de sua própria mente é interno. Esta antítese de exterior e interior deve evidentemente ser interpretada como uma metáfora, dado que as mentes, não estando no espaço, não poderiam ser descritas como estando especialmente dentro de qualquer coisa, ou como se se passassem coisas especialmente dentro delas. Mas são comuns os deslizes desta boa intenção e encontramos teóricos especulando sobre o modo segundo o qual os estímulos, cujas fontes físicas se encontram a metros ou quilómetros de distância da pele da pessoa, podem dar origem a respostas mentais dentro de seu crânio, ou como decisões enquadradas no âmbito do seu crânio podem comandar movimentos das suas extremidades.
Mesmo quando
‘interior’ e ‘exterior’ são interpretados como metáforas, o problema de como a
mente e o corpo de um indivíduo se influenciam mutuamente é notoriamente
carregado de dificuldades teóricas. O que a mente deseja é executado pelas
pernas, braços e língua; o que afecta o ouvido e a olho tem algo a ver com as percepções
da mente; as caretas e os sorrisos denunciam a disposição da mente, e os
castigos corporais conduzem, pelo menos assim se espera, ao aperfeiçoamento
moral. Mas as transacções efectivas entre os episódios da história privada e os
da história pública permanecem misteriosas, dado que por definição não podem
pertencer a nenhuma delas. Não poderiam ser descritas entre os acontecimentos
relatados na autobiografia de uma pessoa relativos à sua vida interior, mas
também não poderiam ser descritos entre os acontecimentos mencionados na
biografia, escrita por outro indivíduo, da vida pública dessa pessoa. Não podem
ser inspeccionados nem por introspecção nem por experimento de laboratório. São
teoricamente flutuantes e têm sido, através dos tempos, passados dos fisiologistas
para os psicólogos e dos psicólogos para os fisiologistas. Na base desta
representação, em parte metafórica, da bifurcação das duas vidas de uma pessoa,
há aparentemente uma pretensão mais profunda e filosófica. Supõe-se que há duas
espécies diferentes de existência ou estatuto.
O que existe
ou acontece pode ter o estatuto de existência física, ou pode ter o estatuto de
existência mental. Um pouco como as faces das moedas são caras ou coroas, ou
como as criaturas vivas são macho ou fêmea, assim se supõe que determinada
existência é existência física, e outra existência é existência mental. É
característica necessária daquilo que tem existência física que ele está no
espaço e no tempo, e é característica necessária do que tem existência mental que
ele está no tempo mas não no espaço. O que tem existência física é composto de
matéria ou é uma função da matéria; o que tem existência mental consiste em
consciência ou é uma função da consciência. Existe, assim, uma oposição de
polos entre mente e matéria, oposição essa que é muitas vezes apresentada do
seguinte modo: os objectos materiais estão situados num campo comum, chamado
“espaço”, e o que acontece a um corpo numa porção de espaço está mecanicamente
relacionado com o que acontece a outros corpos noutras porções do espaço. Mas
os acontecimentos mentais ocorrem em campos isolados, chamados “mentes”, e não
há, exceptuando talvez a telepatia, relação causal directa entre o que acontece
numa mente e o que acontece noutra. Somente por intermédio do mundo físico público
pode a mente de uma pessoa influenciar a mente de outra. A mente é o seu
próprio lugar e, na sua vida interior, cada um de nós vive a vida de um Robinson
Cruso é fantasma. As pessoas podem ver, ouvir e sacudir o corpo dos outros, mas
são irremediavelmente cegas e surdas ao funcionamento da mente dos outros, e
sem acção nelas. Que espécie de conhecimento pode ser assegurado sobre o funcionamento
da mente? Por um lado, de acordo com a teoria oficial, uma pessoa tem
conhecimento directo da melhor espécie imaginável do funcionamento da sua
própria mente. Os estados e processos mentais são (pelo menos normalmente)
estados e processos conscientes e a consciência que os ilumina não pode criar
ilusões e não deixa margem a quaisquer dúvidas. Os pensamentos actuam de uma
pessoa, as suas sensações e desejos, as suas percepções, recordações e
imaginações são intrinsecamente “fosforescentes”; a sua existência e natureza
são inevitavelmente reveladas aos seus possuidores. A vida interio é uma corrente
de consciência [stream of consciousness] de tal espécie que seria
absurdo sugerir que a mente, cuja vida é essa corrente, desconhecesse o que se
passa nela. É verdade que a evidência recentemente aduzida por Freud parece mostrar
que existem canais afluentes desta corrente que correm escondidos do seu
possuidor. As pessoas são movidas por impulsos cuja existência repudiam
vigorosamente. Alguns dos seus pensamentos diferem daqueles que confessam, e
alguns dos actos que pensam ter
desejo de praticar não são na verdade desejados por elas. As pessoas são profundamente enganadas por algumas das suas próprias hipocrisias e ignoram efectivamente fatos da sua vida mental que, segundo a teoria oficial, lhes deveriam ser patentes. Os defensores da teoria oficial, no entanto, têm tendência para manter que de qualquer modo, em circunstâncias normais, um indivíduo deve ter conhecimento directo e autêntico do estado actual e da actividade da sua mente.
desejo de praticar não são na verdade desejados por elas. As pessoas são profundamente enganadas por algumas das suas próprias hipocrisias e ignoram efectivamente fatos da sua vida mental que, segundo a teoria oficial, lhes deveriam ser patentes. Os defensores da teoria oficial, no entanto, têm tendência para manter que de qualquer modo, em circunstâncias normais, um indivíduo deve ter conhecimento directo e autêntico do estado actual e da actividade da sua mente.
Para além de
estar geralmente em poder destes chamados dados imediatos da consciência,
também se supõe que o indivíduo é capaz de exercer de vez em quando uma
determinada espécie de percepção, uma percepção interior ou introspecção. Pode
dar uma “olhada” (não óptica) ao que está passando na sua mente. Pode não só
observar e examinar uma flor através do seu sentido da visão, escutar e
distinguir as notas de um sino através do sentido da audição, como também olhar
reflexiva e introspectivamente, sem qualquer órgão corporal dos sentidos, para
os episódios correntes da sua vida interior. Também é comum supor-se que esta auto-observação
é imune à ilusão, à confusão ou à dúvida. O relato de uma mente sobre os seus
próprios assuntos é de uma certeza superior ao melhor do que é possuído pelos
seus relatos de assuntos do mundo físico. As percepções sensoriais podem ser
enganadas ou confundidas, mas não a consciência e a introspecção. Por outro
lado, uma pessoa não tem acesso directo de nenhuma espécie aos eventos da vida
interior de outra. Não pode fazer mais do que tirar inferências problemáticas,
partindo do comportamento físico observado do corpo de outra pessoa para os
seus estados mentais, os quais, por analogia com o seu próprio comportamento,
julgue serem apontados por esse comportamento. O acesso directo ao
funcionamento de uma mente é um privilégio dessa própria mente; à falta desse
acesso privilegiado, o funcionamento de uma mente está inevitavelmente oculto
para qualquer outra pessoa. Pois os supostos argumentos, partindo de movimentos
físicos semelhantes ao seu próprio, para os funcionamentos mentais semelhantes,
não teriam qualquer possibilidade de corroboração observacional. Não é de estranhar,
portanto, que um adepto da teoria oficial ache difícil resistir a esta consequência
das suas premissas, de que não há qualquer razão de peso para acreditar que
existam outras mentes além da sua. Mesmo se prefere acreditar que em outros
corpos humanos há mentes semelhantes à sua, não pode afirmar que é capaz de
descobrir as suas características individuais ou as coisas particulares que essas
mentes fazem ou experimentam. A solidão absoluta é, nesta ordem de ideias, o
destino inelutável da alma. Só os nossos corpos se podem encontrar. Como
corolário necessário deste esquema geral, está implicitamente indicada uma
maneira especial de interpretar os nossos conceitos ordinários de faculdades e
operações mentais. Os verbos, substantivos e adjectivos com os quais na vida
normal descrevemos a sagacidade, carácter e acções de mais alto nível das
pessoas com quem contactamos, devem ser interpretados como significando
episódios especiais das suas histórias secretas ou como significando tendências
para que tais episódios ocorram. Quando se descreve alguém como conhecendo,
acreditando ou julgando alguma coisa, esperando, receando, planejando ou
evitando qualquer coisa, projectando isto ou divertindo-se com aquilo, supõe-se
que estes verbos indicam a ocorrência de modificações específicas na sua (para
nós) oculta corrente de consciência. Só o seu próprio acesso privilegiado a
esta corrente, em ciência [awareness] e introspecção directas, poderia
dar testemunho autêntico de que estes verbos de conduta mental foram correta ou
incorrectamente aplicados. O espectador, seja ele professor, crítico, biógrafo
ou amigo, nunca pode ter certeza de que os seus comentários tenham quaisquer
laivos de verdade. Mesmo assim, foi justamente porque de fato todos sabemos
fazer tais comentários, os fazemos de uma maneira geral correctamente, e os
corrigimos quando se tornam confusos ou errados, que os filósofos acharam
necessário construir as suas teorias sobre a natureza e lugar das mentes. Sendo
de opinião de que os conceitos de conduta mental [mental-conduct concepts]
são usados regular e efectivamente, procuraram estabelecer convenientemente a
sua geografia lógica. Mas a geografia lógica recomendada oficialmente
implicaria que não se poderia fazer uso regular ou efectivo destes conceitos de
conduta mental nas nossas descrições das mentes de outras pessoas, ou
prescrições em seu favor.
(2)
O Absurdo da Doutrina Oficial
É esta, em linhas gerais, a teoria oficial. Falarei
muitas vezes dela, com exagero deliberado, como o “dogma do Fantasma na
Máquina” [Ghost in the Machine].
Assim, as relações interinstitucionais que podem ser
afirmadas ou negadas entre a Igreja e o Ministério do Interior, não podem ser
afirmadas ou negadas entre qualquer deles e a Constituição Britânica. A
“Constituição Britânica” não é um termo do mesmo tipo lógico de “Ministério do
Interior” ou de “Igreja da Inglaterra”. De um modo em parte semelhante, Fulano
pode ser um parente, um amigo, um inimigo ou um estranho para Sicrano; mas não
pode ser nenhuma destas coisas em relação ao Contribuinte Médio. Ele é capaz de
falar acertadamente em certas discussões do Contribuinte Médio, mas ficaria confuso
ao tentar explicar porque não poderia encontrá-lo por acaso na rua, como
poderia acontecer com Sicrano. É pertinente em relação ao assunto que nos ocupa
notar que, enquanto o estudante de ciências políticas continuar a pensar na
Constituição Britânica como a contrapartida de outras instituições, terá
tendência para descrevê-la como uma instituição misteriosamente oculta; e
enquanto Fulano continuar a pensar no Contribuinte Médio como um concidadão,
terá tendência para pensar nele como um homem imaterial e fugidio, um fantasma
que está em toda parte e em parte nenhuma. O meu propósito destrutivo é mostrar
que uma família de erros de categoria radicais é a fonte da teoria da vida
dupla. A representação de uma pessoa como um fantasma misteriosamente escondido
numa máquina deriva deste argumento. Porque, como é verdade, os actos de uma
pessoa pensar, sentir e ter intenções não podem ser descritos exclusivamente na
linguagem da física, da química e da fisiologia; portanto, teriam de ser
descritos em linguagens paralelas. Assim como o corpo humano é uma unidade
complexa organizada, também a mente humana teria de ser outra unidade complexa organizada,
ainda que composta por uma substância de tipo diferente e com diferente tipo de
estrutura. Ora, mais uma vez, como o corpo humano, tal como qualquer outra
parcela de matéria, é um campo de causas e efeitos, também a mente deveria ser
outro campo de causas e efeitos, ainda que (Deus seja louvado!) não causas e
efeitos mecânicos.
(3)
A Origem do Erro de Categoria
Uma das principais origens intelectuais do que ainda
tenho que provar ser o erro de categoria cartesiano parece ser a seguinte.
Quando Galileu mostrou que os seus métodos de descoberta científica eram
capazes de estabelecer uma teoria mecânica que abrangeria todos os ocupantes do
espaço, Descartes encontrou em si próprio duas razões em conflito. Como homem
de génio científico, não tinha outro remédio senão sancionar as descobertas da
mecânica, mas, como homem religioso e moral, não poderia aceitar, como Hobbes
aceitou, os desencorajantes corolários dessas descobertas, ou seja, que a
natureza humana difere apenas em grau de complexidade do mecanismo de um
relógio. O mental não poderia ser apenas uma variedade do mecânico.
Ele e filósofos subsequentes, natural mas erroneamente, arranjaram a seguinte escapatória. Visto que as palavras de conduta mental não devem ser interpretadas como significando a ocorrência de processos mecânicos, elas devem ser interpretadas como significando a ocorrência de processos não mecânicos; visto que as leis mecânicas explicam movimentos no espaço como os efeitos de outros movimentos no espaço, outras leis devem explicar parte do funcionamento não espacial das mentes como os efeitos de outros funcionamentos não espaciais das mentes. A diferença entre os comportamentos humanos que descrevemos como inteligentes e os que descrevemos como não inteligentes, deve ser uma diferença de causa e acção; assim, enquanto alguns movimentos das línguas e membros humanos são efeitos de causas mecânicas, outros devem ser efeitos de causas não mecânicas, isto é, alguns são originados por movimentos de partículas de matéria, outros são originados pelo funcionamento da mente. As diferenças entre o físico e o mental eram assim representadas como diferenças dentro do quadro comum das categorias de “coisa”, “substância”, “atributo”, “estado”, “processo”, “mudança”, “causa” e “efeito”. As mentes são coisas, mas coisas de espécie diferente dos corpos; processos mentais são causas e efeitos, mas espécies diferentes de causas e efeitos dos movimentos corporais. E assim sucessivamente. Assim, como o estrangeiro esperava que a Universidade fosse um edifício adicional, em parte semelhante a uma faculdade mas também consideravelmente diferente, também os repudiadores do mecanismo representavam as mentes como centros adicionais dos processos causais, bastante semelhantes a máquinas, mas também consideravelmente diferentes delas. A sua teoria era uma hipótese para-mecânica. Que esta suposição estava no coração da doutrina é mostrado pelo fato de que se sentia, desde o princípio, ter havido uma grande dificuldade teórica em explicar como mentes podiam influenciar e ser influenciadas por corpos. Como pode um processo mental, por exemplo um desejo, causar movimentos espaciais, como os movimentos da língua? Como pode uma mudança física do nervo óptico ter entre os seus efeitos uma percepção da mente de um clarão de luz? Esta notória dificuldade mostra por si própria o molde lógico no qual Descartes comprimiu a sua teoria da mente. Era o mesmo molde pelo qual ele e Galileu tinham ajustado suas mecânicas. Aderindo, ainda que involuntariamente, à gramática da mecânica, tentou evitar o desastre, descrevendo as mentes no que era meramente um vocabulário invertido. O funcionamento da mente tinha de ser descrito por meio dos meros negativos das descrições específicas feitas para o corpo; não existem no espaço, não são movimentos, não são modificações da matéria, não são acessíveis à observação pública. As mentes não são peças do mecanismo de um relógio, são apenas peças que não são de um mecanismo de relógio. Assim representadas, as mentes não são simplesmente fantasmas acorrentados a máquinas: são elas próprias máquinas fantasmas. Embora o corpo humano seja um motor, não é um motor ordinário, dado que parte de seu funcionamento é governada por um outro motor interno – sendo este motor-governante [governor-engine] interior de uma espécie muito especial. É invisível, inaudível e não tem tamanho ou peso. Não pode ser desmontado e as leis a que obedece não são as conhecidas pelos engenheiros ordinários.
Nada se sabe sobre a forma como governa o motor corporal. Uma segunda dificuldade crucial aponta na mesma direcção. Dado que, de acordo com a doutrina, as mentes pertencem à mesma categoria que os corpos, e dado que o corpo é rigidamente governado por leis mecânicas, pareceu acertado a muitos teóricos que as mentes teriam que ser semelhantemente governadas por rígidas leis não-mecânicas. O mundo físico é um sistema determinista, e assim o mundo mental deveria ser um sistema determinista. Corpos não podem evitar as modificações a que estão sujeito, e assim as mentes não poderiam evitar a realização do destino que lhes foi fixado. Responsabilidade, escolha, mérito e demérito são portanto conceitos inaplicáveis – a menos que se adopte uma solução de compromisso, dizendo que as leis que governam os processos mentais, diferentemente das que governam os processos físicos, têm um atributo próprio, o de serem relativamente pouco rígidas. O problema do Livre Arbítrio era o problema de como conciliar a hipótese de que as mentes devem ser descritas em termos tirados das categorias da mecânica com o conhecimento de que a conduta humana de nível superior não é igual ao comportamento de máquinas. É uma curiosidade histórica o fato de nunca se ter notado que toda argumentação assentava num erro. Os teóricos supuseram correctamente que qualquer homem bom de cabeça já poderia aceitar as diferenças entre, digamos, expressões racionais e não racionais, ou entre comportamento intencional e automático. A parte disso, nada haveria a salvaguardar do mecanismo. Mesmo assim, a explicação dada pressupunha que um indivíduo nunca poderia, em princípio, reconhecer a diferença entre as expressões racionais e irracionais emitidas por outros corpos humanos, dado que nunca poderia ter acesso às postuladas causas materiais de algumas das suas expressões. Salvo a excepção, duvidosa, de si mesmo, uma pessoa nunca poderia dizer qual a diferença entre um homem e um Robô. Teria que se admitir, por exemplo, que, tanto quanto podemos saber, a vida interior das pessoas que são classificadas como idiotas ou loucas é tão racional como a de qualquer outra pessoa. Talvez só o seu comportamento visível seja insólito, isto é, talvez os “idiotas” não sejam realmente idiotas, nem os “loucos” realmente loucos. Talvez, também, muitas das pessoas classificadas como sãs sejam na realidade idiotas. De acordo com a teoria, os observadores externos nunca poderiam saber em que medida o comportamento visível de outras pessoas está correlacionado com as suas capacidades e processos mentais, e assim nunca poderiam saber nem sequer conjecturar plausivelmente se as suas aplicações dos conceitos de conduta mental para essas pessoas estariam certas ou erradas. Seria assim incerto ou impossível a uma pessoa reivindicar sanidade mental ou coerência lógica mesmo para si própria, visto que estaria impedida de comparar as suas próprias acções com as dos outros. Resumindo, as nossas apreciações sobre as pessoas e suas acções como inteligentes, prudentes, virtuosas ou estúpidas, hipócritas ou covardes, nunca poderiam ter sido feitas e, assim, o problema de estabelecer uma hipótese causal especial para servir de base a tal diagnóstico nunca teria sido posto. A questão “Em que é que as pessoas diferem das máquinas?” surgiu precisamente porque todos já sabiam aplicar os conceitos de conduta mental antes de as novas hipóteses causais terem sido introduzidas. Esta hipótese causal não podia portanto ser a fonte dos critérios usados nessas aplicações. Nem, evidentemente, a hipótese causal melhorou em qualquer grau a nossa maneira de lidar com esses critérios. Ainda distinguimos a boa e a má aritmética, a conduta política da impolítica, a imaginação fértil da falta de imaginação, do mesmo modo que Descartes os distinguiu antes e depois de ter especulado acerca de como a aplicabilidade destes critérios era compatível com o princípio de causação mecânica.
Ele e filósofos subsequentes, natural mas erroneamente, arranjaram a seguinte escapatória. Visto que as palavras de conduta mental não devem ser interpretadas como significando a ocorrência de processos mecânicos, elas devem ser interpretadas como significando a ocorrência de processos não mecânicos; visto que as leis mecânicas explicam movimentos no espaço como os efeitos de outros movimentos no espaço, outras leis devem explicar parte do funcionamento não espacial das mentes como os efeitos de outros funcionamentos não espaciais das mentes. A diferença entre os comportamentos humanos que descrevemos como inteligentes e os que descrevemos como não inteligentes, deve ser uma diferença de causa e acção; assim, enquanto alguns movimentos das línguas e membros humanos são efeitos de causas mecânicas, outros devem ser efeitos de causas não mecânicas, isto é, alguns são originados por movimentos de partículas de matéria, outros são originados pelo funcionamento da mente. As diferenças entre o físico e o mental eram assim representadas como diferenças dentro do quadro comum das categorias de “coisa”, “substância”, “atributo”, “estado”, “processo”, “mudança”, “causa” e “efeito”. As mentes são coisas, mas coisas de espécie diferente dos corpos; processos mentais são causas e efeitos, mas espécies diferentes de causas e efeitos dos movimentos corporais. E assim sucessivamente. Assim, como o estrangeiro esperava que a Universidade fosse um edifício adicional, em parte semelhante a uma faculdade mas também consideravelmente diferente, também os repudiadores do mecanismo representavam as mentes como centros adicionais dos processos causais, bastante semelhantes a máquinas, mas também consideravelmente diferentes delas. A sua teoria era uma hipótese para-mecânica. Que esta suposição estava no coração da doutrina é mostrado pelo fato de que se sentia, desde o princípio, ter havido uma grande dificuldade teórica em explicar como mentes podiam influenciar e ser influenciadas por corpos. Como pode um processo mental, por exemplo um desejo, causar movimentos espaciais, como os movimentos da língua? Como pode uma mudança física do nervo óptico ter entre os seus efeitos uma percepção da mente de um clarão de luz? Esta notória dificuldade mostra por si própria o molde lógico no qual Descartes comprimiu a sua teoria da mente. Era o mesmo molde pelo qual ele e Galileu tinham ajustado suas mecânicas. Aderindo, ainda que involuntariamente, à gramática da mecânica, tentou evitar o desastre, descrevendo as mentes no que era meramente um vocabulário invertido. O funcionamento da mente tinha de ser descrito por meio dos meros negativos das descrições específicas feitas para o corpo; não existem no espaço, não são movimentos, não são modificações da matéria, não são acessíveis à observação pública. As mentes não são peças do mecanismo de um relógio, são apenas peças que não são de um mecanismo de relógio. Assim representadas, as mentes não são simplesmente fantasmas acorrentados a máquinas: são elas próprias máquinas fantasmas. Embora o corpo humano seja um motor, não é um motor ordinário, dado que parte de seu funcionamento é governada por um outro motor interno – sendo este motor-governante [governor-engine] interior de uma espécie muito especial. É invisível, inaudível e não tem tamanho ou peso. Não pode ser desmontado e as leis a que obedece não são as conhecidas pelos engenheiros ordinários.
Nada se sabe sobre a forma como governa o motor corporal. Uma segunda dificuldade crucial aponta na mesma direcção. Dado que, de acordo com a doutrina, as mentes pertencem à mesma categoria que os corpos, e dado que o corpo é rigidamente governado por leis mecânicas, pareceu acertado a muitos teóricos que as mentes teriam que ser semelhantemente governadas por rígidas leis não-mecânicas. O mundo físico é um sistema determinista, e assim o mundo mental deveria ser um sistema determinista. Corpos não podem evitar as modificações a que estão sujeito, e assim as mentes não poderiam evitar a realização do destino que lhes foi fixado. Responsabilidade, escolha, mérito e demérito são portanto conceitos inaplicáveis – a menos que se adopte uma solução de compromisso, dizendo que as leis que governam os processos mentais, diferentemente das que governam os processos físicos, têm um atributo próprio, o de serem relativamente pouco rígidas. O problema do Livre Arbítrio era o problema de como conciliar a hipótese de que as mentes devem ser descritas em termos tirados das categorias da mecânica com o conhecimento de que a conduta humana de nível superior não é igual ao comportamento de máquinas. É uma curiosidade histórica o fato de nunca se ter notado que toda argumentação assentava num erro. Os teóricos supuseram correctamente que qualquer homem bom de cabeça já poderia aceitar as diferenças entre, digamos, expressões racionais e não racionais, ou entre comportamento intencional e automático. A parte disso, nada haveria a salvaguardar do mecanismo. Mesmo assim, a explicação dada pressupunha que um indivíduo nunca poderia, em princípio, reconhecer a diferença entre as expressões racionais e irracionais emitidas por outros corpos humanos, dado que nunca poderia ter acesso às postuladas causas materiais de algumas das suas expressões. Salvo a excepção, duvidosa, de si mesmo, uma pessoa nunca poderia dizer qual a diferença entre um homem e um Robô. Teria que se admitir, por exemplo, que, tanto quanto podemos saber, a vida interior das pessoas que são classificadas como idiotas ou loucas é tão racional como a de qualquer outra pessoa. Talvez só o seu comportamento visível seja insólito, isto é, talvez os “idiotas” não sejam realmente idiotas, nem os “loucos” realmente loucos. Talvez, também, muitas das pessoas classificadas como sãs sejam na realidade idiotas. De acordo com a teoria, os observadores externos nunca poderiam saber em que medida o comportamento visível de outras pessoas está correlacionado com as suas capacidades e processos mentais, e assim nunca poderiam saber nem sequer conjecturar plausivelmente se as suas aplicações dos conceitos de conduta mental para essas pessoas estariam certas ou erradas. Seria assim incerto ou impossível a uma pessoa reivindicar sanidade mental ou coerência lógica mesmo para si própria, visto que estaria impedida de comparar as suas próprias acções com as dos outros. Resumindo, as nossas apreciações sobre as pessoas e suas acções como inteligentes, prudentes, virtuosas ou estúpidas, hipócritas ou covardes, nunca poderiam ter sido feitas e, assim, o problema de estabelecer uma hipótese causal especial para servir de base a tal diagnóstico nunca teria sido posto. A questão “Em que é que as pessoas diferem das máquinas?” surgiu precisamente porque todos já sabiam aplicar os conceitos de conduta mental antes de as novas hipóteses causais terem sido introduzidas. Esta hipótese causal não podia portanto ser a fonte dos critérios usados nessas aplicações. Nem, evidentemente, a hipótese causal melhorou em qualquer grau a nossa maneira de lidar com esses critérios. Ainda distinguimos a boa e a má aritmética, a conduta política da impolítica, a imaginação fértil da falta de imaginação, do mesmo modo que Descartes os distinguiu antes e depois de ter especulado acerca de como a aplicabilidade destes critérios era compatível com o princípio de causação mecânica.
Descartes iludiu a lógica deste problema. Em vez de
perguntar por que critério o comportamento inteligente se distingue efectivamente
do não inteligente, perguntou: “Dado que o princípio da causação mecânica não
nos diz qual a diferença, que outro princípio causal no-la dirá?” Concluiu que
o problema não era de mecânica e supôs que devia ser, portanto, de alguma contrapartida
da mecânica. Não raro a psicologia é chamada a desempenhar este papel. Quando
dois termos pertencem à mesma categoria, podem construir-se proposições
copulativas que os englobem. Assim, um consumidor pode dizer que comprou uma
luva da mão esquerda e uma luva da mão direita, mas não que comprou uma luva da
mão esquerda, uma luva da mão direita e um par de luvas. “Ela chegou em casa
num mar de lágrimas e numa liteira” [She came home in a flood of tears and a
sedan-chair]: é uma anedota bem conhecida [de Charles Dickens] baseada no
absurdo de juntar termos de tipos diferentes. Seria igualmente ridículo
construir a disjunção: “Ela chegou em casa ou num mar de lágrimas ou numa
liteira”. É o que faz o dogma do Fantasma na Máquina. Mantém que existem corpos
e mentes; que se produzem processos físicos e processos mentais; que há causas
mecânicas dos movimentos corporais e causas mentais dos movimentos corporais. Argumentarei
que estas e outras conjunções análogas são absurdas; deve no entanto notar-se
que isto não quer dizer que qualquer das proposições ilegitimamente conjuntadas
seja absurda em si mesma. Não nego, por exemplo, que existem processos mentais.
Fazer contas de dividir é um processo mental, tal como contar uma piada. Mas
digo que a frase “existem processos mentais” não significa a mesma espécie de
coisa que é expressa por “existem processos físicos”, e portanto não faz
sentido fazer uma conjunção ou uma disjunção das duas. Se a minha argumentação
for válida, terá interessantes consequências. Primeiro, o consagrado contraste
entre Mente e Matéria será dissipado, não pelas igualmente consagradas
absorções da Mente pela Matéria ou da Matéria pela Mente, mas sim de um modo
bastante diferente. Porque mostrarei que a aparente oposição dos dois é tão
ilegítima como seria a oposição entre “ela chegou em casa num mar de lágrimas”
e “ela chegou em casa numa liteira”. A crença de que há uma oposição diametral
entre Mente e Matéria vem da crença de que são termos do mesmo tipo lógico. Seguir-se-á
também que tanto o Idealismo como o Materialismo são respostas a uma pergunta
inadequada. A “redução” do mundo material a estados e processos mentais, assim
como a “redução” dos estados e processos mentais a estados e processos físicos,
pressupõe a legitimidade da disjunção “Ou existem mentes ou existem corpos (mas
não ambos) ”. Seria como dizer: “Ela comprou uma luva da mão direita e uma luva
da mão esquerda, ou um par de luvas (mas não ambos)”. É perfeitamente correto
dizer, com ar lógico, que existem mentes e com outro ar, também lógico, que
existem corpos. Mas estas expressões não indicam duas espécies diferentes de
existência, porque “existência” não é uma palavra genérica como “colorido” ou
“sexuado”. Indicam dois sentidos diferentes de “existir”, tal como “subir” tem
sentidos diferentes em “a maré está subindo”, “as esperanças estão subindo”, “a
média de longevidade está subindo”. Pensar-se-ia que um homem estaria contando
uma piada sem graça se dissesse que três coisas estão agora subindo, ou seja, a
maré, as esperanças e a média de longevidade. Seria uma piada igualmente boa ou
má dizer que existem números primos, quartas-feiras, opiniões públicas e
marinhas de guerra; ou que existem mentes e corpos. Nos capítulos seguintes
tento provar que a teoria oficial assenta num conjunto de erros de categoria,
mostrando que provêm deles corolários logicamente absurdos. A exposição destes absurdos
terá o efeito construtivo de apresentar parte da lógica correta dos conceitos
de conteúdo mental.
(4)
Nota Histórica
Não seria verdade dizer que a doutrina oficial deriva
exclusivamente das teorias de Descartes, ou mesmo de uma ansiedade mais
largamente espalhada a respeito das implicações da mecânica do século XVII. A
teologia da Escolástica e da Reforma preparou os intelectos tanto dos
cientistas como dos leigos, filósofos e clérigos desse tempo. As teorias
estóico-agostinianas da vontade embeberam-se nas doutrinas calvinistas de
pecado e graça; as teorias platónicas e aristotélicas do intelecto deram forma
às teorias ortodoxas da imortalidade da alma. Descartes reelaborava doutrinas teológicas
já predominantes a respeito da alma, na nova sintaxe de Galileu. O carácter
privado da consciência [moral, conscience] defendido pelos teólogos tornou-se
o carácter privado da consciência [psicológica, consciousness] defendido
pelos filósofos, e o que tinha sido o trilho da Predestinação reapareceu como o
trilho do Determinismo. Também não seria verdade dizer que o mito dos dois
mundos não trouxe benefícios teóricos. Os mitos geralmente dão muitas boas
contribuições, enquanto são novos. Um dos benefícios auferidos pelo mito
para-mecânico foi tornar em parte ultrapassado o mito para-político então
dominante. A mente e suas faculdades tinham anteriormente sido descritas por
analogias com superiores ou subordinados políticos. A linguagem usada era a das
leis, da obediência, da colaboração e da rebeldia, que sobreviveu e ainda sobrevive
em muitas discussões éticas e em algumas epistemológicas. Assim como na física
o novo mito das Forças Ocultas era um melhoramento científico do velho mito das
Causas Finais, também na teoria antropológica e psicológica o novo mito das
operações ocultas, impulsos e agências constituiu um melhoramento do antigo
mito dos ditames, deferências e desobediências.
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